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Por Joao Paulo Brasil • Real Seguro Viagem em 12/06/25 às 10:49.

Turismo Literário no Brasil: nosso guia pelas cidades de grandes autores

Para nós, viajar é ler o mundo com os pés. E ler é a mais íntima das viagens, uma jornada silenciosa que nos transporta para universos distantes sem que precisemos mover um músculo. Mas o que acontece quando sobrepomos esses dois mapas, o do território físico e o do território ficcional? 

O resultado é o que chamamos de turismo literário, uma experiência de viagem que nos convida a caminhar pelas mesmas ruas, respirar o mesmo ar e decifrar as mesmas paisagens que serviram de matéria-prima para os pilares da nossa literatura.

Esta não é uma forma de turismo convencional, focada em monumentos e cartões-postais. Convidamos você a uma peregrinação cultural, uma busca por uma conexão mais profunda com um lugar, enxergando-o através da lente sensível e crítica de um grande autor. 

É a chance de compreendermos que o Brasil, com sua imensa e contraditória diversidade, não foi apenas o palco passivo, mas frequentemente o protagonista pulsante de obras que buscaram definir nossa identidade.

Este nosso guia é um convite para essa imersão. Propomos um roteiro por alguns desses lugares mágicos, onde sentimos que as páginas dos livros ganham vida e cada esquina, cada praça e cada paisagem nos sussurram histórias. 

Convidamos você a embarcar conosco nesta jornada que redefine o conceito de conhecer um lugar, transformando o ato de viajar em um diálogo íntimo com o Brasil e seus maiores intérpretes. Confira abaixo e boa leitura!

O Rio de Janeiro de Machado de Assis e Clarice Lispector: explorando a cidade de múltiplas almas

Machado de Assis e Clarice Lispector, respectivamente. (Imagem | Reprodução)


Nenhuma cidade brasileira foi tão exaustivamente mapeada pela literatura quanto o Rio de Janeiro. Musa de poetas, cronistas e romancistas, a cidade maravilhosa nos revela facetas distintas dependendo de quem a narra. 

Para o nosso turismo literário, dois roteiros se destacam por oferecer visões complementares e fascinantes: o Rio oitocentista de Machado de Assis, um labirinto de aparências e críticas sociais, e o Rio existencial de Clarice Lispector, um palco para epifanias e mergulhos na alma. 

O Rio de Machado de Assis é o palco vital do Segundo Império e da Primeira República, uma cidade que acompanhamos em plena transformação social, econômica e urbana. Em suas obras, como Dom Casmurro e Memórias Póstumas de Brás Cubas, a geografia carioca não é mero pano de fundo; ela é um código que nos revela a hierarquia social, as tensões raciais e a hipocrisia da burguesia ascendente. 

As ruas do Centro, como a famosa Rua do Ouvidor, eram o epicentro da vida pública, o palco das discussões políticas, dos negócios e das fofocas. Em contrapartida, os subúrbios que surgiam com a expansão das linhas de bonde, como o Engenho Novo de Bentinho, representavam um espaço doméstico aparentemente pacato, mas onde vemos ferverem os dramas psicológicos mais densos. 

Para refazermos os caminhos machadianos, nosso roteiro começa no coração do Rio antigo. Iniciando nossa caminhada pela Rua do Ouvidor, hoje uma via comercial movimentada, precisamos acionar nossa imaginação para recriar o vaivém de senhores de cartola e senhoras com seus vestidos longos. 

Nossa parada obrigatória é a Confeitaria Colombo, fundada em 1894, um deslumbrante exemplar da Belle Époque carioca onde a elite da época, incluindo o próprio Machado, se reunia. 

Não podemos deixar de visitar o Real Gabinete Português de Leitura, com sua arquitetura e seu acervo monumental. Nosso roteiro se completa ao explorarmos os bairros da Glória, Catete e Flamengo, onde se desenrola a trama de Bentinho e Capitu. 

Ao passarmos pelo Largo da Glória ou caminharmos pela Praia do Flamengo, podemos quase ouvir os ecos das promessas e desconfianças que selaram o destino do casal mais famoso da nossa literatura. Assim, finalizamos o percurso em frente à sede da Academia Brasileira de Letras, fundada e presidida por Machado, um testamento de sua imortalidade.

Se o Rio de Machado é social e irônico, o de Clarice Lispector é íntimo e sinestésico. Ucraniana de nascimento, mas profundamente brasileira e carioca por adoção, Clarice encontrou no Rio o cenário ideal para suas investigações da consciência. 

A cidade em sua obra é menos um lugar e mais uma sensação: o calor abafado, a luz ofuscante do sol, o barulho caótico do trânsito. Ler Clarice nos ensina a ver o Rio de Janeiro não com os olhos de um turista, mas com a sensibilidade de quem busca um sentido no banal.

Nosso roteiro clariciano começa no Leme, bairro onde a escritora viveu e onde foi imortalizada com uma estátua de bronze em frente ao mar. Sente-se no calçadão e leia uma de suas crônicas; garantimos que a experiência será outra. 

A parada seguinte é o Jardim Botânico, cenário fundamental do conto "Amor". É ali que a personagem Ana experimenta sua crise existencial. Caminhamos pelas alamedas de palmeiras-imperiais, observamos a densa vegetação e tentamos capturar a sensação de "doce náusea" que Clarice tão bem descreveu. Cuidado com o chiclete!

A Salvador de Jorge Amado: onde sentimos a ficção pulsar nas ruas

Jorge Amado, escritor brasileiro. (Fonte: Reprodução)


Nenhum autor brasileiro conseguiu traduzir a alma de uma cidade de forma tão completa e visceral quanto Jorge Amado fez com Salvador. Em sua vasta obra, a capital baiana transcende a condição de cenário para se tornar uma entidade viva, que respira, canta, reza e seduz. 

Jorge Amado não apenas descreveu Salvador; ele a codificou para nós e para o mundo, tecendo em sua prosa o sincretismo religioso, a culinária de dendê, a musicalidade dos atabaques e a sensualidade que aflora em cada esquina. 

A obra de Jorge Amado é um grande mosaico que nos retrata os diferentes estratos da sociedade soteropolitana, sempre com um olhar voltado para o povo e para a riqueza da cultura afro-brasileira. Em Dona Flor e Seus Dois Maridos, exploramos a dualidade da cidade, personificada na protagonista dividida entre a respeitabilidade e a paixão. 

Em Tenda dos Milagres, o Pelourinho é o palco central da luta pela afirmação da identidade negra e da mestiçagem como pilar da brasilidade. Seus personagens, malandros, pais de santo, cozinheiras, poetas, não são figuras exóticas; mas sim uma representação viva da cidade.

Nosso roteiro amadiano tem seu epicentro geográfico e espiritual no Pelourinho. Começamos no Terreiro de Jesus e visitamos a Fundação Casa de Jorge Amado, um espaço cultural riquíssimo que preserva a memória do autor.

Ao sairmos, nos perdemos pelas ladeiras de paralelepípedos, reconhecendo em cada casarão colorido os cenários de suas histórias. Sentimos o aroma do acarajé sendo frito na rua, um cheiro que é a trilha olfativa de seus romances. 

Descemos pelo Elevador Lacerda até a Cidade Baixa e exploramos o Mercado Modelo, um caldeirão de artesanato e cultura popular. Para uma experiência completa, podemos investigar a possibilidade de visitar, com respeito e autorização, um terreiro de Candomblé, para entendermos a força da religiosidade que Jorge Amado tanto defendeu.

Nossa peregrinação se completa no bairro do Rio Vermelho, conhecido pela vida boêmia e por ter sido o lar do escritor. É ali que encontramos A Casa do Rio Vermelho, a residência onde Jorge Amado e Zélia Gattai viveram e que hoje funciona como um museu-casa. 

A visita é emocionante. Cada cômodo, cada objeto e cada árvore no jardim nos contam uma história. A cozinha de Dona Flor, os sapos que ele colecionava, os presentes de amigos como Picasso, tudo cria uma atmosfera de intimidade. 

Ao final da tarde, que tal visitar em um dos bares do Largo de Santana, onde estátuas do casal nos dão as boas-vindas? Ali, percebemos que os personagens de Jorge Amado continuam vivos, contando suas histórias em cada olhar e sorriso ao nosso redor.

O Sertão de Graciliano Ramos: a geografia da nossa resiliência

Graciliano Ramos, autor de Vidas Secas. (Imagem | Reprodução)


Se Jorge Amado nos retratou a exuberância, Graciliano Ramos nos mergulhou na essência. Sua literatura nos leva para o interior de Alagoas, para um sertão que é uma paisagem física e uma condição humana. 

A prosa de Graciliano é "seca", despojada de artifícios, refletindo a aridez da terra e a dureza da vida. Fazer turismo literário por essa região nos afasta do Brasil litorâneo para encontrarmos uma nação de silêncios, de resiliência e de uma beleza austera. 

A relação de Graciliano com a região era íntima. Tendo sido prefeito de Palmeira dos Índios, ele conhecia de perto a mecânica do poder, a injustiça social e a luta do homem contra a natureza. Sua experiência, aguçou seu olhar crítico e seu compromisso com uma literatura que desse voz aos oprimidos. 

Em Vidas Secas, o sertão é mais do que um cenário; é uma força opressora que dita o ritmo da vida. A família de Fabiano não tem nome, pois representa todos os retirantes, e sua jornada errante nos desenha um mapa da desesperança, onde o ciclo da seca determina o destino.

Nosso ponto de partida para este roteiro é a cidade de Palmeira dos Índios, no agreste alagoano. É lá que encontramos a Casa Museu Graciliano Ramos, o lugar mais importante para nos conectarmos com o autor. 

A casa preserva sua biblioteca, manuscritos e objetos pessoais. A partir dali, nosso roteiro se torna menos sobre pontos fixos e mais sobre uma imersão na paisagem. Sugerimos alugar um carro e dirigir pelas estradas que cortam o agreste e o sertão.

Nessa jornada, nosso objetivo é observar. Observamos a vegetação da caatinga, que parece morta, mas resiste. Sentimos o calor implacável do sol. Vemos as casas simples de barro. É ao vivenciarmos, mesmo que minimamente, os elementos do universo de Vidas Secas, que a genialidade do autor se revela por completo. 

A paisagem, que para um turista desatento pode parecer monótona, para nós, leitores de Graciliano, enche-se de significado, evocando a luta de Fabiano e o sonho da cachorrinha Baleia. É uma forma de turismo contemplativo e reflexivo, que nos conecta com o cerne da identidade brasileira.

A Itabira de Carlos Drummond de Andrade e a memória na paisagem

Carlos Drummond de Andrade, autor brasileiro. (Fonte | Reprodução)


"De um lado, a serra. Do outro, o rio. E no meio do caminho, uma pedra". A pedra de Itabira, imortalizada por Carlos Drummond de Andrade, é muito mais do que um obstáculo; para nós, é o símbolo da própria existência e da matéria-prima, o minério de ferro, que moldou a paisagem e a alma de sua cidade natal. 

O turismo literário em Itabira, Minas Gerais, nos leva a uma viagem ao coração da poesia modernista brasileira, uma exploração da relação entre um homem e seu lugar de origem. Drummond partiu de Itabira, mas Itabira jamais partiu dele, tornando-se o "reino" melancólico que permeia toda a sua obra.

A poesia de Drummond é marcada por uma tensão entre o passado e o presente, o indivíduo e o mundo. Itabira é o epicentro dessa tensão. Em poemas como "Confidência do Itabirano", ele nos revela a herança de ferro que carrega na alma e a dor de um progresso que veio com a mineração. 

A cidade é, para ele, uma "fotografia na parede", um lugar de memória ao qual ele sempre retorna. Visitar Itabira é, portanto, nossa tentativa de compreender a geografia afetiva que deu origem a um dos maiores poetas da língua portuguesa.

A cidade abraçou seu filho mais ilustre e nos oferece um roteiro bem estruturado, os "Caminhos Drummondianos". Este percurso a pé pelo centro histórico é a melhor forma de imersão. O ponto alto é o Memorial Carlos Drummond de Andrade, projetado por seu amigo Oscar Niemeyer. 

Localizado no alto de um morro, o memorial nos oferece uma vista panorâmica da cidade e das minas da Vale, permitindo-nos compreender visualmente o impacto da "pedra". O roteiro segue pela casa onde Drummond nasceu, a Fazenda do Pontal, a estação de trem e diversas praças que ecoam em seus versos.

Ao longo do caminho, diversas estátuas e placas com poemas pontuam nossa experiência, tornando a caminhada um diálogo constante com a obra. A visita a Itabira é mais do que um passeio; é uma peregrinação à fonte da memória de um poeta que soube transformar sua aldeia em um espelho do mundo.

O Rio Grande do Sul de Érico Verissimo e a invenção de um continente

Érico Verissimo, autor brasileiro. (Fonte | Reprodução)


Para compreendermos a formação histórica e a identidade cultural do Rio Grande do Sul, com suas guerras e sagas familiares, um caminho é obrigatório para nós: a leitura de O Tempo e o Vento

Érico Verissimo, um dos maiores prosadores do século XX, não apenas narrou a história de seu estado; ele a organizou para todos nós, a dramatizou e a transformou em um épico fundador que vive até hoje no imaginário gaúcho. 

A genialidade de Verissimo foi criar um universo ficcional tão verossímil que ele se tornou a própria explicação da realidade. A cidade fictícia de Santa Fé, palco principal da trilogia, é um microcosmo que representa todas as cidades gaúchas, servindo de cenário para a saga de duas famílias rivais, os Terra Cambará e os Amaral. 

Através de personagens inesquecíveis como Ana Terra e Capitão Rodrigo, atravessamos 200 anos de história. A paisagem do pampa, com seu horizonte vasto e seu vento "minuano", não é apenas um detalhe, mas uma força que molda o caráter de seus habitantes.

Nosso roteiro verissimiano começa em Cruz Alta, cidade natal do escritor e principal inspiração para Santa Fé. O ponto nevrálgico da visita é o Museu Érico Verissimo, localizado na casa onde ele nasceu. 

Caminhar pelas ruas de Cruz Alta é um exercício de imaginação, buscando no traçado atual os contornos da antiga Santa Fé. A cidade também imortalizou seu escritor com uma estátua e referências a seus personagens.

Para uma imersão mais profunda, expandimos nosso roteiro. Uma visita às ruínas de São Miguel das Missões, Patrimônio da Humanidade, é ótima para nos conectarmos com a primeira parte da trilogia, "O Continente". 

Além disso, percorrer de carro as estradas da região dos Pampas, observando a imensidão do horizonte, é a melhor maneira de sentirmos a escala épica da obra de Verissimo e compreendermos por que "o vento" é um de seus personagens mais importantes.

Pampas Gaúchos com a proteção da Real! (Fonte: Reprodução)


Nossa próxima viagem começa na próxima página

Percorrer este nosso Brasil literário é mais do que uma simples jornada turística;  mas sim uma forma de redescobrirmos um país que muitas vezes só conhecemos pela superfície. É permitir que as palavras de nossos maiores autores adicionem camadas de profundidade e significado a paisagens, cidades e culturas. 

Cada destino visitado se torna um capítulo de um livro vivo, e cada passo, uma linha lida. Estas não são viagens para colecionarmos fotos, mas para colecionarmos percepções.

Esperamos que este nosso guia tenha despertado em você o desejo de não apenas viajar, mas de "ler" o Brasil de uma forma nova e transformadora. As histórias estão aí, esperando para serem redescobertas por nós. A bagagem mais importante para essa jornada é um livro aberto e um olhar curioso.

E você? Qual autor brasileiro te faz querer arrumar as malas e explorar um canto do nosso país? Qual roteiro literário nós deveríamos adicionar a esta lista? Conte pra gente nos comentários!

Boas leituras e ótimas viagens!